Muito tem se falado sobre o uso medicinal da maconha, mas ainda é
preciso esclarecer algumas questões que dificultam a adesão da sociedade,
médicos e governo a tratamentos cientificamente comprovados. A primeira
confusão está justamente em falar sobre os benefícios da maconha para a
saúde, pois a medicina e a ciência têm se feito valer das propriedades
do cânhamo. Embora a maconha e o cânhamo sejam da mesma família, a
cannabis, é importante destacar que se tratam de plantas diferentes.
Enquanto a maconha é baixa e espessa, o cânhamo é alto e longo. Além das
diferenças físicas, a maconha contém grandes quantidades do canabinóide
psicoativo THC (tetrahidrocanabinol) e o cânhamo pode conter
quantidades relativamente grandes do canabinóide não psicoativo CBD
(canabidiol).
Dentro do contexto científico, é o canabidiol que nos interessa.
Este ativo tem efeito significativo para condições neurológicas em que
os medicamentos farmacêuticos tradicionais não atuam como o esperado.
Isto ocorre, em grande parte, porque os medicamentos farmacêuticos visam
a sinapse, onde somente 2% de toda a comunicação neurológica ocorre. Já
os canabinóides visam um espectro muito mais amplo de atividade
neurológica, capazes de criar intervenções de terapia potencialmente
inovadoras em termos de medicina neurológica.
Por isso, o canabidiol tem sido utilizado para o tratamento de doenças neurológicas graves em vários países, entre eles, o Brasil.
Em abril de 2014, a importação da substância foi autorizada pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), após a solicitação de
Katiele Fischer, mãe de uma menina de cinco anos, com CDKL5, síndrome
que, entre outras manifestações, ocasionava mais de 80 convulsões por
dia na criança. O pedido de Katiele foi embasado no caso de Penny
Harper, uma americana, também mãe de uma menina com a síndrome, que
iniciou o tratamento com o canabidiol e conseguiu reduzir a incidência
de convulsões da filha de 40 por dia para zero em um período de pouco
mais de 60 dias, o que permitiu a criança voltar a se desenvolver
fisicamente e reestabelecer a relação com a família.
Os benefícios
do uso do canabidiol em pacientes com doenças neurológicas graves são
comprovados. Tanto que, atualmente, o governo federal brasileiro
subsidia o tratamento para portadores de diversas síndromes. Essa
iniciativa é de suma importância para o adequado tratamento de pessoas
com tais doenças neurológicas. Sem o suporte do governo, muitas famílias
recorriam a métodos ilegais de importação, cultivo e produção do
medicamento para alívio dos sintomas dos pacientes. Esses atos de amor e
desespero, embora legítimos, poderiam trazer problemas legais aos
familiares e metabólicos para os pacientes. Isso porque a produção
caseira pode não ter a quantidade adequada de canabidiol e conter alto
índice de THC, substância com propriedade psicoativa. O canabidiol
industrial é preparado por uma empresa especializada, que realizou
diversos estudos científicos e continua monitorando o desenvolvimento
dos pacientes que iniciaram o tratamento com a substância.
A
primeira batalha que tinha como objetivo a liberação da importação do
canabidiol para tratamento médico no Brasil foi vencida, mas a guerra
ainda não acabou. Embora os resultados sejam comprovados, o tema ainda é
polêmico e pouco discutido no país. Por isso, é importante disseminar
as informações. A esperança de muitos familiares, pacientes e minha,
como médico, é que os benefícios do tratamento se sobressaiam perante à
sociedade para que o tema seja desestigmatizado. Afinal, o que todos
querem, é apenas viver da melhor maneira possível.
Fonte: Jornal do Brasil
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